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Direitos dos animais: entrevista com Dra. Mirele Speck

  • projetoguapecas
  • 1 de set. de 2014
  • 7 min de leitura

Quando se fala em direitos dos animais, muitas são as dúvidas sobre o que atualmente diz a lei e sobre como podemos ajudar os animais com um amparo legal.

Para te ajudar a entender melhor estas questões, conversamos com a Dra. Mirele Speck, presidente da Comissão de Direito dos Animais da OAB Joinville.

Blog do Guapecas - Qual a evolução das leis de proteção animal desde sua constituição?

Mirele - Se formos analisar o texto de lei, eu particularmente entendo, que decaímos no decorrer dos anos. Digo isto porque em teor, e aplicação pratica do Decreto Lei Nº 24.645, de 10 de julho de 1934, era muito mais abrangente e significativa. Em grande maioria este decreto se preocupou em definir situações de maus tratos, e hoje vivenciamos e sofremos com esta lacuna legal, lembrando que o respectivo decreto não é taxativo, mas sim menciona situações exemplificativas e certamente mostrava o caminho a ser seguido.

Eu gosto de destacar que este decreto vem sendo usado como parâmetro por algumas pessoas e até mesmo vem sendo arguido como analogia por alguns juristas, o que é uma faculdade. Contudo ele foi e encontra-se revogado. O que pode ser confirmado diretamente no site do Planalto Federal.

Em contrapartida, nossa legislação atual, em que pese mas lacônica que o mencionado decreto, reconhece os direitos animais junto a Constituição Federal, em seu artigo 225,o que é uma vitória, pois garante os “Direitos Animais” a caracteristica de um direito constitucional e portanto incontestável.

Da mesma forma, nossa legislação ordinária, pondera sobre os animais junto a lei 9.605/1998, também de aplicação nacional, que coibi maus tratos, sem portanto, descrevê-los.

Em contrapartida, vemos a nível municipal a lei 360/2011, que não supre nossa necessidade, mas representa, sem dúvida, nosso avanço quanto aos Direitos Animais.

Assim em que pese não haver uma norma taxativa sobre o direito animal, suas limitações e deveres, vemos que este direito vem crescendo e ganhando cada dia mais espaço.

A meu ver nosso maior desafio neste momento não é ausência legal de premissas contra os maus tratos, mas sim a aplicação efetiva de uma punição, e o respeito e aceitação da mesma, até por parte de órgãos públicos. Nosso direito muitas vezes enfrenta o descaso e o desinteresse destes órgãos responsáveis. O que precisamos é romper esta certeza de impunidade com penas imaginárias, não de mais leis desconhecidas.

Da mesma forma que nossa sociedade precisa e merece mais informações sobre nossos direitos e deveres.

Hoje estamos acompanhando esta mudança em nosso cenário nacional, mas é preciso que a sociedade exija a aplicação da lei que já existe, para mostrarmos aos nossos governantes que a proteção animal, a titulo legal, é importante e se encontra ineficiente. Precisamos exigir uma mudança, e acima de tudo, acreditar nela.

BG - É possível a criação de leis municipais de proteção aos animais domésticos?

Mirele - Sim, tanto é possível, que em nosso município vemos a lei 360/2011, a qual inclusive esta tendo os primeiros resultados efetivos neste momento.

BG - Qual a sua opinião a cerca das penas impostas aos autores de maus-tratos a animais?

Mirele - Infelizmente nossa penalidade ainda esta aquém do necessário. O que acaba gerando esta certeza de impunidade ou de meras “cestas básicas”. Contudo viemos de um momento em que sequer havia pena. Portanto não podemos desconsiderar a aplicação destas penas, mesmo que pequenas. É de primordial importância, para continuarmos mudando nossa história. Nada é imutável em uma democracia.

E por isso precisamos exigir as penalidades de hoje, sua aplicação e majoração.

Nossos presídios e penitenciárias não são respostas para nossos deleites, não é a segregação ou a restrição do direito constitucional de ir e vir que vai mudar nossa realidade. Precisamos primeiramente aplicar as sanções que já existem. Trabalhar a aceitação deste direito. Buscar a conscientização da massa, de que os animais têm direito, principalmente ao respeito. Tanto para demonstrar a existência do direito animal, quanto como medida coibitiva. E acima de tudo educativa. É preciso que os animais sejam vistos como seres sensientes que são, e como vidas, não mais como um simples objeto.

Neste momento, ao meu ver, é mais importante e imediato mudarmos a nossa sociedade e seu pré conceito sobre os “objetos” animais , do que nossas leis.

E para esta mudança é preciso que os pequenos detalhes, ou no caso pequenas penas, sejam consideradas, enquanto as penas existentes não foram rigorosamente aplicadas, e o direito animal reconhecido pouco resolverá nossas batalhas legislativas para aumentar sua dosimetria. Devemos visar o bem maior para uma melhora efetiva de direitos.

BG - É possível tornar obrigatória a castração aos animais vendidos em petshops?

Mirele - Enquanto o animal for visto como uma coisa, conforme estipula nosso código civil, essa obrigatoriedade é controversa. Porque o bem (no caso o animal) se torna uma propriedade do comprador, e neste caso, este é quem delibera sobre o seu destino final, e consequentemente a castração.

No Estado de São Paulo já vemos legislações exigindo a venda de animais apenas esterilizados, a fim de controlar a superpopulação animal.

A opinião popular se divide neste aspecto, porque muitos realmente acreditam que esta lei violaria o direito de escolha do proprietário.

Em Joinville, nossa legislação menciona a venda perante microchip e vacinas. E somente no caso do animal ser encaminhado para Adoção, exige a castração.

Não vejo como impossível, apenas acho difícil de implantar esta lei, neste momento, visto que seria necessário alterarmos nosso código civil.

Creio que neste momento um cadastro do animal, como ocorre em Campinas, que pudesse gerar uma fácil identificação tanto do animal como do “proprietário” traria resultados rápidos e eficientes, tanto para animais abandonados, perdidos e roubados, como para “donos” que confrontam o bom senso.

Antes que alguém interpele, esclareço que usei a palavra dono de forma proposital, visto que, a meu ver, um ser que se propõe a mau tratar, a abandonar, um animal não é um tutor.

BG - Os petshops que vendem animais são fiscalizados? E os canis?

Mirele - Se existe fiscalização eu desconheço.

Ao menos algo efetivo, coibitivo e regulador eu sinceramente nunca vi.

Mas acho que deveriam. Ambos os comércios, já que assim são tratados, para garantir um serviço de qualidade ao consumidor, e para evitar alguns absurdos que conhecemos.

BG - É necessário alvará para venda de animais? Critérios?

Mirele - Todo comércio é dependente de alvará e de licenças para sua liberação. E nestes casos vai depender do ramo do comércio.

De acordo com a lei 360/2011 esta licença deve ser requerida na Prefeitura, junto ao CBEA. Além das demais licenças pertinentes ao comércio.

Gostaria de fazer um adendo de que este comércio não precisa ser incentivado e não é o que nossa comissão pretende. Contudo, já que a pergunta nos foi feita, gostaria de colocar que quem tem ou pretende ter este tipo de comércio deve procurar os meios legais para o fazê-lo e se enquadrar as exigências legais. Para que os órgãos responsáveis possam ter ciência do local e para que possam, eventualmente, averiguar a situação, sob pena de multa e cancelamento das licenças.

BG - Pessoas comuns podem fazer cruzas de animais em casa para venda? Existe algo que impeça ou coíba esse tipo de comércio?

Mirele - Desconheço qualquer impedimento, quando se fala de animais domésticos. E conforme já mencionamos, enquanto os animais forem vistos por nos como coisas, como nossas propriedades, como bens descartáveis, e praticamente consumíveis, acho difícil haver impedimento para o comércio clandestino de animais, ou cruzas de oportunidade.

Nossa lei municipal, em seu artigo 48, parágrafo único, menciona apenas que em números superiores a dez animais, por estabelecimento, deve haver registro do canil ou gatil, e este deve se enquadrar as demais determinações legais.

BG - Quais a pena para quem comete maus-tratos e quem abandona?

Mirele - Na verdade o abandono é uma causa de maus-tratos, então a pena é a mesma. De acordo com a Lei 9.605/1998 a pena é de 3 meses a 01 ano:

Vide: Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

BG - Como denunciar?

Mirele - O Cidadão deve procurar a autoridade policial e relatar a denúncia. Ela pode ser ofertada de forma anônima, mas quanto maior as provas, fotos vídeos, relatos, laudos veterinários e no caso testemunhas, maior a efetividade da denúncia. Gostamos de colocar que a autoridade policial deve receber sua denúncia e encaminhar a investigação, sob pena de ser acusada de prevaricação. Se nada for feito o cidadão pode levar a denúncia à corregedoria do órgão negligente, ou ao Ministério Público Estadual.

A obrigação de investigar é da autoridade policial, mas é obrigação de todo cidadão colaborar com a busca da justiça e da verdade. Toda informação deve ser informada no momento da denúncia.

A colaboração encurta os caminhos para o resultado.

BG - Como está sendo desenvolvido o trabalho de comissões e ONGS para melhorar a legislação de proteção aos animais?

Mirele - Quanto as demais comissões eu não tenho conhecimento até porque cada município tem uma demanda mais especifica.

Quanto as ONGS, a maioria se mostra presente na tentativa de evitar a dor e o sofrimento imediato de um animal, e considerando que o serviço é exclusivamente voluntário, pouco tempo sobre para correr atrás de leis. Eu já procurei estas instituições mas tive pouco retorno, o que também se deve a falta de contrapartida municipal que vem abafando os apelos sociais, principalmente deste voluntariado. É muito difícil gritar o tempo todo sem ter voz.

O que todas estas ONGs fazem é louvável e merecem o respeito e o agradecimento de nossa cidade. Porque estão fazendo algo de forma voluntariada, assumindo obrigação teóricamente do poder publico, que lógico não tem recursos suficientes para fazê-lo.

Agora a nossa Comissão, a comissão dos Direitos Animais da OAB Joinville, como temos pouco tempo de existência, até o momento nos trabalhamos a conscientização social quanto ao direito animal. Fazemos palestras, levamos nossa voz a televisão, rádio e as mídias de interação eletrônica e participamos de alguns eventos realizados em Joinville, a exemplo da Cãominhada, que acontece anualmente em nossa cidade, em que ficamos à disposição da sociedade para tirar dúvidas e dar esclarecimentos.

Em contrapartida, visamos uma ampliação da recepção deste direito a nível municipal.

Neste ano, realizamos um debate, com as ilustres presenças de nossas autoridades municipais em direito animal, tendo a mesa representantes do Ministério Público, da Fundema e da Policia Ambiental. Nesta oportunidade restou claro a todos os órgãos envolvidos que estamos enfrentando sérios problemas de recepção quanto ao direito animal, e total ausência de contrapartida municipal.

E objetivando mudar o resultado de nosso debate, temos o intuito de fortalecer estas parcerias com os órgãos responsáveis, para que a população tenha um respaldo e o apoio destes órgãos. É por esta mudança que estamos e vamos continuar trabalhando neste segundo semestre.

Tem alguma dúvida que não foi abordada nesta entrevista? Conte para a gente nos comentários abaixo deste post que tentaremos esclarecer.

 
 
 

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